terça-feira, 21 de junho de 2011

Que a sutileza da fênix não se dobre aos urubus do momento

Dias atrás, nossa postagem voltava-se para a análise semiótica da canção Pássaro de fogo, de autoria da cantora e compositora Paula Fernandes. Em conversas com amigos e familiares, comentei o texto que redigi para este blog, e muitos ficaram surpresos com as conclusões a que cheguei. De fato, também me surpreendi com alguns resultados da análise. É que em semiótica há pouco de opinião e mais de significação. Na verdade, os resultados de um trabalho analítico com esse tipo de linha investigativa vão surgindo à medida que as facetas de um texto vão sendo desveladas. Desse modo, senti a necessidade de opinar não só sobre o que diz a música, que considero tarefa arriscada sem uma investigação mais profunda; mas pelo momento por que passa o mercado fonográfico brasileiro, decidi tentar compará-la a outros fenômenos de momento.

E aqui, mais uma vez peço licença aos profissionais da área, pois minhas observações são puramente empíricas. Quando me debrucei sobre Pássaro de fogo, coloquei a canção num contexto em que as músicas de sucesso vem e vão na velocidade com que precisamos chegar ao trabalho, embora percamos feio, em alguns lugares, para certos cantores e suas obras! Há um ano, vi Sorriso Maroto emplacar Amanhã como grande sucesso da vez e, com ele, causar delírio em shows. Com o ibope da novela Passione,  vi Lenine, que conheço de muito, estourar outra vez, embalado por Aquilo que dá no coração, música que ponho no mesmo patamar da canção da Paula. Mais precisamente neste ano, Zezé de Camargo e Luciano atingiram altos índices com Mentes tão bem, empurrada por Araguaia. Foi essa mesma novela que impulsionou a bela canção da cantora supracitada.

Outros artistas, de vários estilos, têm conseguido ascender com músicas em trilhas sonoras de novelas globais. E isso não é de hoje, só que também não quero entrar nesse mérito, porquanto me falte elementos e argumentos consistentes. Fica o registro de que o galã Luan Santana tem sido muito ovacionado pelos jovens, imediatistas, e põe Um beijo no topo das paradas musicais de rádios. Interessante é que essa canção compete diretamente com Amar não é pecado, também cantada por ele, e que está sendo tocada todo dia na novela Morde e assopra. Detalhe: o verbo ASSOPRAR existe no padrão, mas já ouvi gente dizendo que a Globo está sendo paga pelo Governo do PT para convencer o povo de que falar errado não é problema. Como se diz na gíria, aí "já é muita viagem!"

O que me traz aqui outra vez não é a intenção de comentar os motivos do sucesso desses artistas e suas canções. Quero ratificar que Pássaro de fogo, assim como a canção de Lenine, são diferenciais, com relação ao estilo de composição que normalmente agradam a massa e estouram. São canções cheias de metáforas ricas e sutilezas muitas vezes imperceptíveis aos ouvidos mais acostumados aos batidões e baladas simplórias de momento.

Volto-me aos jovens que curtem Um beijo e vejo uma sacada perfeita do Luan, ao valorizar um beijo em detrimento das palavras; ou seja, ação, contato em vez de teoria, desejo. É isso que os imediatas querem: viver experiências práticas, palpáveis. Em literatura, poderíamos dizer que ele está mais para Castro Alves que para Alvares de Azevedo, é claro, no que diz respeito ao conceito de amor que lhe move: carnal, e não platônico. Preocupa-me, no entanto, seu verso que diz "Um toque, muito mais que poesia." Entendo perfeitamente seu conceito, mas o vejo com pesar, uma vez que me parece uma ameaça aos esforços que temos feito para incentivar os jovens à leitura. Não creio que o Luan tenha pensado nisso. Acho apenas que ele quis atingir um público que, de fato, tem lido pouco textos longos e bem trabalhados e que tem ouvido músicas com as quais se identifica.

Contudo, a sutileza de Pássaro de fogo, na voz da Paula, tem superado estas particularidades do mercado, desbancando o próprio Luan, em números de vendas no início deste ano. Esta canção não é um relato de ações, como muitas são. Não é uma declaração clara e evidente de paixão. Há paixão, há ações, mas metaforizadas. É muito diferente dizer "Meu coração de vez se entregou / Confesso que estou apaixonado" de "Tão longe do chão / Serei os teus pés / Nas asas do sonho rumo ao teu coração."? É sim, pelo menos do ponto de vista da superfície textual. Mas em termos ideológicos, nem tanto. A mensagem de paixão, de entrega está presente nos dois textos, mas "cada um no seu quadrado." Creio que a Paula leva vantagem por proporcionar não só a embriaguez com a bela mensagem, mas também por propiciar reflexão.

Além disso, sua música está além do cotidiano. Isso é muito forte, por exemplo, no brega funk, que debatemos dias atrás. Também o é no forró estilizado, assim como no brega do Reginho, aquele lá de Abreu e Lima - PE, que cantou "Vou não, posso não, quero não, minha mulher não deixa não." Há coisa mais cotidiana que a dor de cotovelo de Amanhã? As canções simples, fáceis têm, lógico, seus méritos; mas não cumprem um papel fundamental da poesia, que é ressignificar, recriar a realidade. É realmente muito diferente dizer, por exemplo, que o amor é "vela de incendiar", que ele "atropela", que "avança sem ponderar", que dizer "Eu não sei de onde vem essa força que me leva pra você." Mas isso é questão de gosto também. E de desgosto para quem, já ouvi e tenho minhas ressalvas, chama de "carniça" esse estilo sertanejo, simplório, mas de valor. Aliás, o fantoche Coxinha, do Ceará, nada tem a ver com a discriminação dirigida aos artistas, hein!

Certo, porém, é que o Luan, com seu beijo declarado, aquela dupla de Mentes tão bem, com as afirmativas claras sobre a traiçoeira mulher, e outros, como Victor e Leo, que relatam os erros de uma ex-amada, em Boa sorte pra você, têm grandes méritos por se utilizarem da simplicidade na linguagem e tratar de situações cotidianas e sentimentos universais. Mas Pássaro de fogo, a meu ver, está acima deles todos, simplistas. Ela é um desejo de mulher, camuflado numa declaração masculinizada pelas concordâncias com o termo pássaro. Ela disfarça a sensualidade na sutileza feminina e não precisa mencionar o termo posição (da rã ou qualquer outra que seja) para nos instigar, ao falar em cavalgada sobre um corpo. Ela é um poço de auto-confiança, de determinação, porquanto intime o ser amado a se entregar, afirme que ele vai delirar e assegure que não mais será tão livre quanto seria ("Vai me pertencer").

Tudo isso, no entanto, já não é mais privilégio do mercado oficial. Já vi e ouvi, nos carrinhos dos piratas, o CD da Paula. Já escutei, ao passar frente aos bares de esquina, a alternância entre bregas, pagodes e ela. Já me parece que há um movimento de adesão ao seu estilo, à sua voz no mercado paralelo. Aí começa minha preocupação, pois a Fênix não pode se tornar um urubu de momento. Sua graça está na diferença, mesmo que esta seja pouco compreendida. É válido que sua disseminação atinja várias classes e diferentes adeptos. Só não concordo que a pirataria sabote o belo voo do pássaro de fogo que ressurge: a compra de CDs oficiais.

4 comentários:

  1. Ótima postagem! Sou totalmente à favor da sua opinião. Nunca havia parado para ler a letra da música "Pássaro de Fogo" e realmente quando li me impressionei com a forma que a Paula coloca os seus desejos e sentimentos. vai muito além de somente versos em melodia, mas sim uma vontade de mulher. Assim como você eu espero que esse maravilhoso trabalho não morra com toda essa falta de consideração musical, no caso a pirataria, que temos hoje.
    Até Mais.

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  2. Muito boas as observações e o texto! É um prazer tão grande ler algo bem escrito… :)
    Se não gostasse naturalmente dos posts do Reinaldo Azevedo, leria apenas para apreciar o belíssimo texto que ele tem!
    Obrigada!

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  3. Muito interessante as suas colocações!!amei

    @Dannyela_silva

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  4. Ótima publicação... ótima ótima!!

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