sexta-feira, 17 de junho de 2011

Os segredos de Pássaro de fogo

Certo dia, deparei-me com uma nota, num jornal, que louvava a cantora Paula Fernandes por ter atingido a marca de 700 mil cópias de CDs vendidos em menos de 6 meses. Capitaneado pela canção Pássaro de Fogo, de sua autoria, o álbum desbancou fenômenos pops e teens em termos de vendas em tão pouco tempo. Por não entender tanto de mercado fonográfico, peço licença aos conhecedores do ramo para analisar o sucesso que toca em rádios e ainda não se contagiou com a pirataria. Minha intenção aqui é apenas me debruçar sobre a letra e algumas nuances da talentosa compositora e cantora. Para isso, adotarei alguns conceitos da Semiótica Greimasiana, cujo objeto investigativo é a significação. Mas darei um toque mais popular que científico à análise, devido ao espaço de publicação deste artigo. 

Lembro de antemão que, ao assistir a uma entrevista com a cantora, com a apresentadora Angélica, já havia ouvido a referida música, mas não conhecia a quem pertencia aquela voz. Também ouvi trechos da mesma durante as visitas que fazia à casa de minha mãe, que não perdia um capítulo da novela Araguaia, da Rede Globo. De posse da nota a que fiz menção anteriormente, resolvi procurar na internet a letra e algum vídeo que me desse uma noção mais detalhada. Fui surpreendido com tamanha sutileza! É essa a definição, portanto, que dou a Pássaro de Fogo: sutileza de mulher.

Semioticamente falando, todo texto se baseia na busca de um valor, quer seja a felicidade, a riqueza, o (re) conhecimento, a satisfação, a aceitação. É este último que move mais intensamente o texto aqui discutido; só que, para conquistar tal aceitação, o sujeito enunciador que fala na canção escolhe o caminho da conquista com uso da sutileza, mas firme e confiante. Aí aumenta minha admiração por esta obra, que aparentemente veicula um discurso masculinizado cultural e linguisticamente. Sob a ótica da cultura de nossa sociedade, ainda machista, é o homem quem toma a iniciativa nas relações afetivas entre casais heterossexuais, diga-se de passagem! Natural então ouvir um conquistador dizer "Vai se entregar pra mim / Como a primeira vez (...) Vai me pertencer." Mais isso está mudando. Que bom!!!

Sob a exegese que pretendemos adotar, observando as facetas da linguagem, a canção também parece caminhar para o mesmo sentido. Nesse caso, é a própria língua portuguesa que nos deixa marcas de um possível enunciador masculino, o que se evidencia já no título: pássaro de fogo. É que na língua portuguesa não existe uma forma feminina para a palavra pássaro, senão com intermédio da palavra fêmeo. É o que chamamos de substantivo epiceno. Em outros trechos o tom masculino parece ganhar reforço, como em "Te amando feito um louco", para o qual louco é mais que a generalização de um comportamento doentio, e sim denominação masculina para um homem perdido de amor.

Destaco também - e aí me parece um discurso bem masculinizado - o trecho "Minha alma viajante, coração independente. / Por você corre perigo." Chamo atenção para o valor que busca boa parte dos homens em nossa sociedade: liberdade. Sentem-se presos, ao se relacionarem seriamente com uma mulher. Daí o sujeito enunciador falar em "perigo" ao seu "coração independente". Acontece que este suposto homem quer isso, ao afirmar querer ser "bem mais que um amigo". Pois bem, é ele que quer "se amarrar", ou seria o desejo dela de que assim ele procedesse? 

A sutileza da canção, transmitida pelas metáforas simples já são um indicativo do motivo que leva a música ao sucesso. Mas essa conjuntura nos leva também a uma outra interpretação do texto. A história mostra que muitos poetas e poetisas assumem um eu poético de gênero oposto em suas obras. Então, aqui poderia ser mais um exemplo? Muitos entendem que sim. Contudo, ouso dizer que existe um eu feminino que fala como homem, mas que deixa suas marcas femininas implícitas, as quais buscamos recuperar com a análise da significação. Para que esta exista, é necessário um significante, parte "concreta", expressa; e um significado, parte  "inteligível", latente. Aliados a isso temos os eixos do tempo e do espaço (contexto), que fará com que o texto signifique, num determinado momento e num determinado lugar, de um modo, e em outros tempos e espaços, de outro. 

Assim, independente da intenção da compositora, embora a canção apresente vários elementos para significar a intimação de homem a uma mulher (Vai me pertencer), a delicadeza com que o enunciador traça seu caminho na busca de seu objeto de valor nos leva a crer que em Pássaro de Fogo fala um eu feminino, moderno, de iniciativa, decidido a (re) conquistar  um coração que parece querer se esquivar em segredos e negar entregar-se a um novo amor, ou talvez um amor renovado. Aliás, um pássaro de fogo que se renova, que renasce, remonta à mitológica ave fênix, que ressurge das cinzas.

Desta forma, embora reconheçamos vários trechos em concordância masculina e visualizemos comportamentos masculinos numa tentativa de conquista, é possível também perceber um forte tom feminino, de que Paula Fernandes faz uso muito bem. A sutileza das declarações e afirmativas, o vocabulário delicado e metáforas, para mim, denunciam a própria autora, mascarada num discurso masculinizado pelas menções ao pássaro. Seria então para ele as concordâncias, e não para ela, que enuncia e busca a aceitação de seu amado. Mas isso não é tão certo e necessita de uma investigação mais acurada. É apenas mais uma possibilidade de sentido, talvez ainda não cogitado pelos fãs da artista competente. 

Certo mesmo, contudo, é o sucesso que Paula Fernandes alcançou, desbancando compositores e cantores de músicas de momento, que se perdem na pirataria. Isso até ela cair (se já não caiu) nas graças do público que prefere pagar pouco a desembolsar um pouco mais para ouvir música de qualidade. Fiquemos, pois, com Pássaro de Fogo, que, independente do eu predominante, é uma encantadora canção.

By Robson Santiago. 



2 comentários:

  1. Adorei a publicação... =)

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  2. Perfeito o post. Sempre é necessário falar das coisas boas, bem escritas, nelças há sem dúvida raios de luz!

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