segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Condição "sine qua non" para alcançar a independência linguística

Na Era Medieval - que me perdoem os historiadores, se eu estiver errado - a Igreja pautava suas orações mais "fortes", nas celebrações, pelo uso do Latim. Pelas terras brasileiras, na época da Colônia, era comum os padres reservarem um trecho importante da missa para falas no idioma clássico. Há quem diga que esse era um recurso utilizado pela Igreja para distanciar-se do fiel, no que concerne à hierarquia. É que toda língua reflete uma relação de poder, e o Latim, pronunciado pelos eclesiásticos, funcionava como uma demonstração de superioridade do falante - era a língua santa, privilégio dos "iluminados".

Hoje em dia, no Direito, expressões latinas são constantemente utilizadas nos textos oficiais, tanto orais quanto escritos. Falasse em processo INITIO LITIS, defesa ABSENTE REO, condição SINE QUA NON,  entre outras expressões através das quais "a língua mãe" se faz viva. Aliás, cabe aqui um adendo aos menos esclarecidos sobre a ciência linguística: o Latim é considerado língua mãe não por ser a primeira língua do mundo, mas sim por ter originado outras, como o Português, o romeno, o italiano, o espanhol; e ter influenciado a formação do inglês e francês também. Antes dele, no mesmo tronco, houve o Sânscrito. Na verdade, havia línguas orientais bem mais antigas que nosso velho Latim.

Contudo, vem dele - e da cultura romana - grande parte dos princípios que fundamentam o Direito ocidental. O que nos provoca a discussão nessa postagem é o fato de que as expressões latinas, próprias do universo de discurso jurídico, têm sido usadas por outros "iluminados", que não mais representam - oficialmente - a palavra divina, mas que estão no topo da hierarquia política. Um certo presidente já fazia moda, pouquíssimo tempo atrás, falando em "condição sine quo non para erradicar a pobreza." Recentemente, outra "figura" atentou contra o desconhecimento linguístico de milhões, ao se expressar em defesa da classe política, dizendo que em seu governo ninguém se "locupletava". É o privilégio de deter o conhecimento sobre a língua que permite aos ditos "iluminados" de hoje em dia comunicar-se (ou não) dessa maneira publicamente.

Por outro lado, cabe a um povo dividido entre adeptos de Chico Buarque, Noel Rosa, Vinícius de Moraes, Ivete Sangalo, Leonardo e os "sábios" Mcs do Funk e do Brega discernirem melhor o uso do idioma, nas suas modalidades - oral e escrita. Apoderar-se dos diversos recursos à disposição numa língua é tudo que deve fazer um usuário competente, para atingir a independência e ampliar sua competência linguística. Independência esta que é trocada muitas vezes pelo conformismo de receber da imprensa - muito bem letrada - as explicações sobre as falas dos figurões. Aliás, sempre que o FHC saía com as suas, lembro bem, havia um ou outro jornalista que ía às ruas para perguntar se o povão conhecia determinada palavra e etc.

O papel da imprensa está e sempre esteve muito bem claro por aqui: informar. O papel do político é representar, mas ele precisa lembrar que representa uma diversidade, não um seleto grupo que conhece minúcias da nossa língua ou particularidades daquela que lhe deu origem. O papel do eclesiástico deveria ser levar "a boa nova" aos que dela necessitam, como representantes do divino que se auto-proclamam. E digo assim porque Ele não disse publicamente quem o representa, apenas ensinou, segundo as sagradas escrituras, o que se pode fazer em seu nome. E não estava incluso nos seus mandamentos não se fazer entender.

O papel do povão, meu e seu é buscar conhecer sua língua em todas as suas variedades, sem relegar nenhuma ao discriminado status de falar errado; ou de falar bonitinho, porque há também quem discrimine o falar padrão. É preciso ter como condição sine qua non  de uma nação forte, um povo conhecedor de seu idioma de maneira competente.

Aconselho, portanto, aos estudantes que não se dedicam ao Direito apoderarem-se de termos latinos também. Um a priori não está presente apenas nas sentenças judicias. Está em qualquer ação acadêmica, no âmbito da pesquisa; está em redações de jornais, de revistas comerciais. Um apud, então, está em todas as referências de uma dissertação, de uma monografia. Do mesmo modo estão o in, o et ali, o etc. A língua portuguesa de hoje mantém vivas práticas linguísticas do Latim, que não se podem confundir com os falares iluminados dos figurões supracitados. Fiquem atentos a isso, se quiserem sua independência linguística!

Robson Santiago

P.S. (Post Scriptum)
Seguem alguns links de dicionários de expressões latinas, os quais encontrei pela web. Contudo, é sempre bom consultar um livro especializado.

Um comentário:

  1. Sinceramente é bem melhor que o conhecimento seja privilégio de poucos. Imagine se não fosse: acabaria a hierarquia e imperaria a anarquia. Mas concordo com suas palavras, quando diz que a língua é instrumento de poder e libertação.

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