A cena se deve à solicitação de atividade atrasada que os dois colegas deveriam concluir de um dia para o outro, porquanto tenham perdido o prazo inicial. O livro que viaja embaixo do braço contém as informações necessárias e havia sido indicado pelo professor do portão, horas antes. O dito refente ao sapo indica toda a satisfação e confiança do garoto com relação àquilo que estava fazendo: adiantando seu trabalho atrasado. Mas como adiantá-lo. A lógica, para ele, reside na ideia de que deixar para o outro dia o que se pode fazer "neste" é perder tempo, no discurso de que, quando se tem o recurso à disposição, optar por outro é enveredar pelo caminho do erro.
Semioticamente falando, a narrativa inicial revela uma auto-confiança e um querer-fazer muito fortes no garoto que pronuncia o dito do sapo. Falo em semiótica porque esta é uma área da ciência linguística que se volta para a análise da significação dos textos, dos discursos. Para chegar ao resultado dele, percorre-se um caminho de análises a ponto de descobrir o percurso que gerou os seus sentidos. Aqui, destaco apenas uma das três etapas: a que está na esfera da superfície do texto, mas que não se compreende sem que se tenha noção das duas demais.
Atentemos para o verbo ANDAR, que é usado no ditado do sapo. Ora, será que sapo não anda? Anda sim. Mas no sentido de andar como deslocar-se ou como constância de algum ato? O garoto, em seu desejo (QUERER) e convicção (PODER-FAZER), é motivado pelo discurso de que não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. ANDAR, portanto, não se refere aqui ao ato de locomover-se apenas; está ligado à constância de ações, ao comportamento corriqueiro. O sapo tem o recurso das quatro patas para deslocar-se habilmente e dela faz uso para saltar e percorrer maiores distâncias. No entanto, o garoto não atenta para esta realidade. O discurso constitutivo do ditado é de menosprezo ao sapo: suas quatro patas são mal utilizadas, segundo este olhar popular. Cientifico, anatômico e biologicamente falando, sabe-se que o sapo é dotado de recursos invejáveis! Mas não é esse o olhar da criança.
ANDAR, pois, é a constância de uma ação. Por exemplo, digo que ando escrevendo com maior frequência aqui. Tenho feito isso. O sapo tem feito aquilo a vida toda, mas no caso da cena narrada, lá no início, constrói-se uma imagem mais imediatista, porquanto seja imediata a negativa do garoto à ação do colega, que prefere atrasar ainda mais aquilo que já está atrasado. Ele não quer o vulgo de otário, por saber que dispõe de recursos para não sê-lo, que tem a capacidade de adiantar-se, que pode fazer a atividade antes do que seu colega prevê ("Vai dá tempo não, otário").
ANDAR está na superfície do texto como um indicativo de frequência, mas que também leva à leitura do ato de locomover-se. No caso dos garotos, vejo a primeira interpretação como a mais cabível ao discurso do aluno, porque ele nega a frequência de atrasos nas atividades, ao decidir atender à solicitação do professor logo no dia em que ocorre. Ele quer ANDAR completando as atividades com antecedência e não atrasando por causa de pipas. Particularmente, acredito que o sapo não tem nada de otário, seja seu ANDAR de constância ou de locomoção. Até porque ele anda (locomove-se) quando é preciso e anda fazendo (tem feito) coisas bem mais interessantes que muitos seres humanos, como o controle ambiental, por exemplo.
"Otário é quem chama" devem estar dizendo (andam dizendo) os sapos, que coaxam noite adentro, nos rios poluídos por cima dos quais passam aqueles garotos todos os dias, após largarem da escola, com livros embaixo dos braços e mochilas nas costas. Uns para fazer valer o discurso de otário e não aproveitar melhor o tempo que tem; outros para tentar, ainda que pareça impossível a curto prazo, mudar sua realidade miserável através da aquisição do conhecimento - bom saber que muitos tem o desejo de mudá-la dessa forma! Mas isso sapo algum precisa fazer, uma vez que já "conhece" tudo de que precisa, nasceu conhecendo, e "sabe" bem o tempo que tem.
Robson Santiago
Robson Santiago